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Intervenção na sessão solene dos 50 anos do 25 de Abril, em Santiago do Cacém

Senhora Presidente da Mesa da Assembleia Municipal de Santiago do Cacém,Senhor Presidente da Câmara Municipal, Senhoras e Senhores Deputados Municipais, Senhoras e Senhores Presidentes das Juntas de Freguesia, Senhoras e Senhores Vereadores, Trabalhadoras e trabalhadores da autarquia, Senhoras e senhores aqui presentes,

Neste dia, trazemos cravos ao peito e aqui nos reunimos como mandatários de quem nos elegeu para, através da presença e da palavra, darmos significado às instituições democráticas, lembrando e saudando as mulheres e homens, resistentes e revolucionárixs de ontem, que tornaram possível o Portugal livre e democrático de hoje.

Não é possível falar do levantamento militar do 25 de Abril, sem evocar o imediato e poderoso levantamento popular que consolidou a vitória e viria a conquistar as condições para tornar em conquistas populares os melhores objetivos da ação libertadora de 1974.

Hoje, 50 anos após o 25 de Abril, é preciso que os trabalhadores e as forças democráticas não se iludam. A ditadura fascista foi derrubada mas o fascismo não desistiu de recuperar as posições perdidas, de ameaçar as liberdades e as conquistas do 25 de Abril.

Agora com outra capa, é certo, outra pele, mas continuam a querer convencer-nos de que é com políticas neoliberais que vamos salvar a economia. São os mesmos setores de antes, alguns até das mesmas famílias dos mesmos senhores que se fartavam de “investir” antes do 25 de Abril, mas que depois de conquistadas as liberdades e quando trabalhadores e trabalhadoras exigiram justos salários e condições de trabalho dignas, trataram de fechar as fábricas e ir embora.

No Portugal de 2024 readmitem-se fascistas notórios no aparelho de Estado, na magistratura, em lugares cimeiros e concentram-se esforços para hostilizar forças democráticas. Não nos enganemos - estes caciques querem manter os seus privilégios.

Só uma política inspirada nos valores da resistência e nos grandes ideais de liberdade e de progresso social pode afastar os perigos que ameaçam a democracia portuguesa.

Não é certamente inspirada nos ideais do 25 de Abril uma política que, enquanto tolera ataques contra o regime democrático, se esquece que o Estado é um agente de solidariedade e que tem como principal papel a correção das desigualdades e a proteção das comunidades e dos grupos sociais mais vulneráveis.

Não é certamente inspirada nos ideais do 25 de Abril, uma política que despreza a opinião, a capacidade e os direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras, que entrega empresas públicas e terras, para mega projetos fotovoltaicos no nosso município, por exemplo, ao grande capital privado que consagra abusos, ilegalidades e prepotências, sem nenhum respeito pelas populações e pelo território.

Não é certamente inspirada nos ideais do 25 de Abril, uma política que se volta no plano económico e social, para os que estão interessados em acumular capital, conduzindo o país ao desastre e a democracia portuguesa à derrota.

A realidade é que 50 anos após a queda da ditadura, o legado de sucessivos governos do PS e PSD-CDS é um Portugal incapaz de produzir o seu próprio pão, uma economia feita à medida de meia dúzia de tubarões capitalistas e em grande parte reduzido a uma coutada, à antiga, onde os vistos gold querem ser lei e enriquecer a seu bel-prazer.

E assim encontramo-nos hoje perante uma nova escalada reacionária no país e os órgãos do poder democrático, as forças democráticas e progressistas e todos os que prezam a democracia e a liberdade têm de enfrentar com coragem e decisão. Só aqueles que têm tiques de tirania são saudosos de um regime ditatorial que durante 48 anos oprimiu, explorou, roubou, matou sem que, até hoje, tenham prestado contas.

A celebração de Abril é a condenação do regime fascista e a saudação, o apoio e o compromisso com a democracia e a liberdade.

Abril opõe-se à opressão, ao esmagamento das liberdades, à limitação dos direitos fundamentais, à marginalização de pessoas.

Abril opõe-se à guerra e à violência, ao colonialismo em qualquer lugar do mundo, à opressão sobre outros povos, ao sacrifício dos interesses do País a inconfessáveis interesses de minorias privilegiadas.

Opõe-se ao obscurantismo, ao segregacionismo cultural, ao elitismo, ao ensino e saúde reservado para uns poucos e condicionado para a grande massa da população.

Opõe-se à miséria, às degradantes condições de vida, de saúde e de habitação, de ensino e da justiça, aos salários que não permitem uma vida digna.

Opõe-se ao abandono da terceira idade, das mães, dos jovens, das crianças, das pessoas racializadas, de emigrantes, dxs portugueses que vão ser estrangeiros noutras partes do mundo, da comunidade LGBT e da comunidade das pessoas com deficiência.

Se não há, em democracia, projeto único, se a Democracia é o livre confronto entre vários projetos alternativos, pode e tem de haver consenso, em relação a uma coisa - ao próprio regime democrático!

Depois do que Abril nos deu, somos nós que devemos à democracia, ao 25 de Abril, e ao país. E devemos muito mais do que a convergência ou entendimento apenas face a perigos iminentes, como fizemos durante a pandemina da Covid-19. Devemos ao país e à democracia a capacidade de dialogar e de dar resposta aos gravíssimos problemas que afetam Portugal para assegurar caminhos firmes de liberdade, de bem-estar coletivo, justiça social, tolerância, progresso e dignidade.

Não podemos, todavia, perder de vista que o percurso de um país tem de ter uma verdadeira dimensão social e ao mesmo tempo deve basear-se na solidariedade para com os portugueses e portuguesas mais pobres e menos preparados profissionalmente, que são os que mais sentirão os efeitos perversos das transformações essenciais à sobrevivência da espécie humana - caso da transição energética que tanto impacta a nossa região, mais pela falta de políticas públicas justas do que pela mudança em si.

E passadas 5 décadas sobre o 25 de Abril, o Bloco de Esquerda tem orgulho em poder afirmar a sua plena identificação com a democracia, entendida não como um conceito abstrato e nebuloso, onde possam caber as piores perversões antidemocráticas, mas como o concreto regime democrático-constitucional, caracterizado por uma indissociável ligação entre a democracia política, económica e social, entre direitos e liberdades, capaz de  operar transformações socioeconómicas justas.

Permitam-me ainda que, em nome do meu partido e no meu próprio, acrescente que este dia tem para mim um significado muito especial não só por comemorar e lembrar o passado, mas também pelo facto de, sendo mulher estar aqui como deputada eleita desta Assembleia Municipal, pelo único partido português que tem uma mulher na liderança, que sucedeu a outra mulher. Quero ainda saudar daqui as eleitas do nosso município: Paula Lopes, Teresa Alves, Margarida Santos. Ana Harea, Vanda Silva, Maria Teresa Branco, Quitéria Gaspar, Cristina Luís, Hélia Rodrigues, Isabel Contente, Ana Maria Gonçalves, as vereadoras nomeadas, Sónia Gonçalves, Mónica Aguiar e Susana Pádua. Saúdo ainda as mulheres do meu partido, as gerações de mulheres da minha família e todas as mulheres, porque todas somos mulheres de Abril.

Por fim, saberemos defender Abril com os olhos postos no futuro, garantindo que a democracia que soubemos resgatar corresponda ao desenvolvimento de uma sociedade capaz de se vitalizar pela sua diversidade, onde se sinta a política como uma atividade digna, em que não apenas os políticos, mas todas as pessoas, se devem empenhar como a única garantia da aproximação entre eleitores e eleitxs.

As comemorações do 25 de Abril não podem ser comemorações simbólicas, têm de ser comemorações vivas, onde fique bem claro que acima das nossas divergências políticas há valores fundamentais que nenhum de nós pode violar, e são esses que devemos transmitir geração após geração.

É por isso que nos reunimos aqui. Não para cumprir um ritual, não para fazer tão-só solenidade, não apenas para lembrar ou para comemorar. Estamos aqui para acicatar vontades, despertar consciências e assumir compromissos

Cada sessão evocativa do 25 de Abril, ano após ano, mostra que um acontecimento basilar na nossa história nunca pode deixar de estar vivo, sob pena de se ver dessensibilizado o seu significado. Precisa, antes, de ser fonte permanente de renovação e reflexão. Se outras razões não houvesse, esta bastaria para justificar esta comemoração, como as que nos futuros anos se farão neste mesmo local.

Hoje, nas cidades, nas vilas e nas aldeias de Portugal, as populações, as forças democráticas, as forças armadas e as forças de segurança, as instituições e Órgãos de Soberania do regime democrático proclamam, contra dúvidas e desânimos, contra ações ou ameaças, que a democracia não se submete, que o 25 de Abril não se rende, que em Portugal haverá 25 de Abril sempre!

Viva o 25 de abril! Fascismo nunca mais!

Carmen Figueira - deputada municipal eleita pelo Bloco de Esquerda